O jornalismo e o escrutínio dos políticos, entre a necessidade e o voyeurismo
Vem nos livros: sempre que a pressão dos jornalistas sobre os políticos aumenta, os políticos esforçam-se por se explicar e, não raras vezes, fazem-no entre a vitimização e a intimidação dos jornalistas. No caso da lei dos solos que deu origem à história da imobiliária da família de Luís Montenegro e a uma tentativa falhada de moção de Censura do Chega ao Governo, houve as suas coisas. No Parlamento, Montenegro queixou-se de ser há muitos anos “alvo de ataques estranhos e violentos”, e desde logo se levantaram suspeitas de que a queixa tinha como alvo a RTP – o Observador deu notícia de um alegado mal-estar no Governo com a estação pública. A direcção da RTP viria de imediato dizer que os jornalistas do canal "não se deixam condicionar e continuarão a cumprir o seu dever profissional". O ministro Pedro Duarte viria entretanto garantir que a liberdade editorial da televisão pública “é absolutamente sagrada" O que está, afinal em causa? Fazer perguntas sobre o património dos políticos faz parte das regras do jornalismo e da democracia. Como disse esta semana o Presidente da República, o escrutínio é o preço de governar. Na tradição das democracias liberais, os políticos “têm de aceitar restrições nos seus direitos de personalidade”, como lembrava há tempos o advogado e especialista em assuntos de liberdade de expressão Francisco Teixeira da Mota. O problema começa quando essas restrições embrulhada numa capa de suspeição onde a presunção se impõe aos factos e uma suposta ética ao direito. Mariana Mortágua diz que em causa estão apreciações políticas. Mas o presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco, lamentava por estes duas o "ambiente de suspeição" que se instalou sobre a classe política, ambiente que, na sua opinião, se explicava pelo "voyeurismo" e não pelo "escrutínio sério". Entramos assim nos domínios do jornalismo, onde, felizmente, não há fórmulas matemáticas para determinar o certo e o errado. Mas há balizas. Que os políticos sejam escrutinados, ninguém duvida; mas que os seus patrimónios pessoais ou imobiliários sejam revelados sem que haja fortes razões – sejam indícios de corrupção, abusos de poder ou conflitos de interesse – será jornalismo ou, como sugere Aguiar Branco, voyeurismo? Entre as notícias sobre as empresas fundadas pelo ex-secretário de Estado Hernani Dias, que é bom jornalismo, e as notícias de que o deputado x ou o ministro y tem uma imobiliária, que é jornalismo duvidoso para muitos, que momento estamos a viver? A pergunta é pretexto para conversa com Joaquim Fidalgo. Fundador do Público, no qual foi director-adjunto, provedor do jornal e professor na Universidade do Minho, Joaquim Fidalgo é reconhecido pelos seus pares como uma referência também no domínio da deontologia profissional.See omnystudio.com/listener for privacy information.